quinta-feira, 29 de setembro de 2016

LEI DA RENOVAÇÃO!

“É necessário, de tempos em tempos, esvaziar as gavetas do coração”, me disse o Velho, como carinhosamente chamávamos o monge mais antigo do mosteiro. Ele tinha me convidado para um passeio pela floresta, localizada nos arredores, ao perceber a minha inquietação e irritabilidade com os demais monges e discípulos da Ordem. Uma nova situação familiar tinha trazido à tona lembranças desagradáveis que alteraram o meu humor no trato para com todos e a minha paz para comigo mesmo. Reclamei bastante da maneira como algumas pessoas tinham me magoado no passado. Ele me olhou com sua enorme compaixão e disse: “O ressentimento cria uma verdadeira algema energética que te mantém atado ao ofensor em uma terrível prisão sem grades. A mágoa entope de sujeira o seu armário sagrado, o coração. A raiva envenena as águas que abastecem a fonte da vida, o amor”. Deu uma pequena pausa e concluiu: “É impossível ser feliz sem perdoar”.
Argumentei que eu já tinha perdoado, porém me negava a esquecer para não permitir que me magoassem de novo. O Velho riu com vontade quando falei isso, o que me trouxe ainda mais irritação. Depois, olhou como se mirasse uma criança e me instigou: “Você não conhece o perdão”. Falei que ele estava enganado, pois eu não desejava nenhum mal àqueles que me ofenderam e, assim, eu decretara o perdão. O Velho balançou a cabeça em negação e disse: “Não, Yoskhaz. Não desejar o mal é o primeiro degrau até o perdão; depois limpamos os escaninhos da alma até esquecermos a ofensa; por fim, desejamos o bem do agressor. Este é o percurso até o perdão”.
Ri com sarcasmo. Falei que ele colocava as coisas em níveis utópicos ou dificílimos. A voz do monge teve um tom misericordioso em resposta: “Não disse que era fácil. Falei o que é necessário. Amar apenas os que nos amam, os embrutecidos também conseguem. É preciso mais”. Fez uma pequena pausa e prosseguiu: “Atravessar o Caminho não é para fracos; aparar as arestas do ser, não é para os acomodados; conhecer a si próprio é para os sábios; realizar as transformações necessárias para a indispensável cura da alma não é para os mimados; iluminar as próprias sombras é batalha destinada aos grandes guerreiros; conhecer verdadeiramente o amor é destinado apenas aos fortes”. Deu uma longa pausa, seu olhar pareceu distante como recordasse de algo e falou: “Ser forte é uma escolha que fazemos todos os dias e está à disposição de todos e de qualquer um”.
Esbravejei que ele não sabia o que falava, pois eu não tinha sido apenas agredido, mas também humilhado. O Velho abriu os braços como quem diz que eu não sabia o que falava. Depois explicou com paciência: “Ser humilhado é uma permissão que você concede indevidamente ao agressor pelo simples fato de ainda não dominar a virtude da humildade em todo o seu infinito poder. Só o orgulhoso pode ser humilhado. Só o arrogante pode ser humilhado. Apenas o vaidoso pode ser atingido por esse mal. O antídoto para tal veneno é a humildade. Ser humilde é aceitar ser o menor de todos para perceber as próprias dificuldades e, assim, entender a escuridão do mundo e, consequentemente, do ofensor. A violência, física ou verbal, é o perfeito retrato das sombras que dominam o coração do agressor. Na verdade, o perfeito olhar mostra o violento se humilhando diante do Universo em pedido velado de ajuda. A ofensa é a máscara dos desesperados, dos perdidos nas sombras da existência. Toda pessoa agressiva é profundamente infeliz. A agonia é tão grande que se faz necessário extravasar. Ele acredita que pode transferir a sua tristeza, sem perceber que a escuridão não tem o poder de apagar a luz”.
“A violência é a linguagem incompreendida dos que sofrem”.
“Então, é a hora de oferecer a outra face em digna interpretação e exercício das palavras do Mestre, olhando o ofensor pelo prisma da compaixão, pois ele é apenas um sofredor que, no fundo, não entende o que se passa consigo. Só assim, nos aceitando como pequenos, nos tornamos grandes, imunizando o vírus da humilhação. Não à toa, a humildade é o primeiro portal do Caminho, a impedir que nada ou ninguém lhe furte a preciosa paz”.
“Permitir que a ofensa o atinja, magoe e humilhe é aceitar o convite para dançar no baile dos horrores que domina a alma do agressor. Encare-o com os olhos da compaixão e perceba que suas palavras e atos apenas espelham o desequilíbrio que o faz ser violento e injusto contigo. Já pensou o quanto de dor corrói o coração da pessoa que necessita da violência nos seus relacionamentos? O quão sombrio é a mente dos brutos? Quantas tormentas levam a nave existência desse indivíduo a sucessivos naufrágios nas tempestades da dor? Eles estão afogados nos mares da ignorância, do medo e das próprias trevas, a clamar de estranha maneira pelas boias da gentileza, pelo socorro da misericórdia, a beleza da compreensão, a grandeza da bondade e o bálsamo da paciência. A violência é incompatível com a felicidade. A escolha desse olhar sofisticado é a diferença entre os andarilhos do Caminho e aqueles que ainda vagueiam perdidos nas estradas vicinais da vida”.
“Entre as leis que compõe o Código Não-Escrito, que regula a jornada de todos pelo Universo, existe a Lei do Amor, dos Ciclos, da Ação e Reação, da Afinidade, da Evolução, das Infinitas Possibilidades, entre outras. Lá encontramos também a Lei da Renovação. Para iniciar um novo ciclo, ainda nesta existência, o andarilho tem que preparar a sua bagagem. Não se esqueça que leveza é indispensável para atravessar o Caminho. Assim, temos que deixar para trás tudo aquilo que não nos serve mais, que se faz desnecessário ou pesa demais. Acúmulos materiais excessivos, lixos emocionais, mágoas, preconceitos, condicionamentos sociais e culturais, ideias obsoletas, atitudes ultrapassadas, reações automatizadas, ou seja, todas as velhas formas, devem ser transmutadas. Para tanto, lembre de abrir todas as gavetas do coração e iluminar os seus cantos mais profundos em busca das sombras escondidas que insistem em nos enganar sobre as absurdas vantagens do revanchismo ou da ilusão de proteção. É indispensável limpar com uma vassoura de Luz todo e qualquer resquício de ressentimento, a poeira do ódio e as manchas da raiva”.
“A renovação é o justo passo anterior à transformação que alavanca a evolução; é amor e sabedoria em perfeita comunhão; é a alquimia de transformar chumbo em ouro dentro de si; é a metamorfose para as asas que te levarão além das fronteiras da dor e do sofrimento”.
Ainda inconformado, questionei sobre aqueles que me feriram. Falei que eles não poderiam ficar impunes, como se não tivessem me feito mal nenhum. Os olhos do Velho ficaram mareados. Talvez por entender a minha dor, talvez por conhecer a alma humana. Ou por ambas as coisas. Ele me falou com bondade: “Não se preocupe com as lições que cabem aos outros. A cada qual os ensinamentos que lhe são pertinentes, no tempo oportuno, com a doçura ou o rigor adequado ao empenho do aluno. A você cabe se aplicar às próprias lições, oferecer o seu melhor a cada dia, por onde passar. E amanhã um pouco mais, em razão da consciência sempre em expansão. Ninguém, absolutamente ninguém, ficará além do alcance das Leis Não Escritas. O Universo não abdicará de nenhuma alma, pois todas têm igual importância, sem privilégios ou esquecimentos. Lembre-se apenas de todas as dificuldades e problemas que você já enfrentou no passado e como eles te ajudaram a se transformar e a evoluir através de seus valiosos ensinamentos. Agradeça por todas as dores e alegrias”.
Argumentei que poderia haver, ao menos, um pedido de desculpas por parte do agressor. Ficaria mais fácil de perdoar. O Velho arqueou os lábios em sorriso e disse: “Sem dúvida que ficaria mais fácil, por isto o perdão ganha ainda mais força e poder quando é ato unilateral. O perdão é a farmácia do sofrimento e você não precisa esperar pela permissão do outro para se curar. Ninguém pode depender de ninguém para ser feliz, para seguir a sua jornada, para voar. A capacidade de perdoar define a exata grandeza de uma alma. Perdoamos independentemente do que os outros pensam. Perdoamos para libertar, a nós e aos outros”.
Eu disse que ele tinha razão e que de alguma maneira a minha alma já clamava por essa renovação. A mágoa pesa, o ressentimento cansa. Então, chorei muito. De soluçar. O Velho aguardou pacientemente que as lágrimas lavassem a minha alma. Depois em catarse, fui falando todas as situações do passado que me incomodavam, exorcizando-as do meu coração. Falei de como era boa a sensação de faxinar a alma, de zerar a conta para seguir com leveza. O Velho me alertou: “Você viu a porta, falta atravessá-la. Essas emoções densas estavam no comando e você retomou o poder que havia concedido a elas. Agora terá que transmutá-las, em incessante trabalho de refinamento do pensar e do sentir, para que elas, sempre sorrateiras, não voltem. Para tanto, precisa exercitar a magia da renovação, todos os dias, para sempre”. Balancei a cabeça em concordância e disse que me sentia bem por não precisar mais carregar nas costas a pesada mochila do sofrimento. Agora eu percebia a razão da sua completa inutilidade. Disse que entregaria à Inteligência Cósmica a aplicação da devida justiça. Ele me explicou: “Tenha desprendimento por qualquer sentimento de vingança ou não terá se libertado de verdade. Não acontecerá qualquer situação rasa de revanche. Justiça não é punição, é tão somente a educação para que todos possam aprender, se transformar, compartilhar e seguir. Este é o processo evolutivo. Se alguns precisam de lições mais severas para aprender, é apenas porque o Universo não desistirá de nenhum de nós, qualquer que seja o estágio evolutivo. Por puro amor”.
Extraído do blog: yoskhaz

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